domingo, 12 de julho de 2009

DIVAGAÇÕES SOBRE A TRUCULÊNCIA DE UM DEMOCRÁTICO SENADOR

Não é a primeira vez que o senador do PSDB cearense saiu do sério. Recentemente ele insultou um jornalista e perdeu as estribeiras. Motivo: ele teria abastecido o seu luxuoso jatinho com o crédito da milionária quota de passagens aéreas do Senado.

Em uma civilização entregue à lei da selva e onde o homem é lobo do homem, essa foto pode não parecer tão chocante. Mas ela mostra –sem nenhuma sutileza –a arrogância e a prepotência que permeiam o comportamento de uma determinada elite deste nosso país.Mas na verdade, nestes tempos de globalização e de escala planetária, fatos similares já ocorreram em outras partes do mundo.

Recentemente tivemos o caso do Rei da Espanha que, investido em autoritarismo jurássico, admoestou o presidente venezuelano Hugo Chavez em plena Conferência Ibero-Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile, no final de 2007: por qué no te callas?

Sem explorar este exemplo - por si só particularmente significativo - veremos que, em uma sociedade que se habituou às violências simbólicas e reais e está completamente anestesiada diante dos condicionamentos publicitários e do crescimento pelo crescimento, fica difícil discernir alhos de bugalhos.

De qualquer forma, e embora já tenha sido dito, escrito e reescrito que uma imagem vale mais do que mil palavras, é preciso muita atenção para descobrir o que está movendo interlocutores tão ilustres. De uma lado, o senador Tasso Jereissati (PSDB do Ceará) e de outro, o senador do PT de São Paulo, Eduardo Matarazzo Suplicy.

Um é o retrato do PSDB, partido criado em São Paulo a partir de um dissidência do PMDB e que ainda hoje é uma espécie de guardião do neo-liberalismo e do estado mínimo. Esse é o lado sombra, noturno, frio, escuro. Tasso é ying. É o lado ressentido que trabalha debaixo do pano. Ou em cima do muro. Não possui um rosto - mas uma máscara.

Já o senador Eduardo Suplicy, conhecido e reconhecido por sua transparência e lealdade, é membro do PT de São Paulo, e está alinhado com as forças progressistas que procuram estabelecer finalidades humanas à sociedade. É um batalhador incansável do Programa de Renda Mínima e em sua ação política busca alterar a relação de rivalidade, de concorrência e de esmagamento tão características dos tempos atuais.

Esse é lado ensolarado, diurno, luminoso e quente. Suplicy é yiang . É o lado destituído de ressentimento e que trabalha às claras. Expõe-se, mostra-se – e não esconde nada --nem sua vida privada.

São dois procedimentos e dois processos diferentes de atuação. No limite, é possível pensar em Tasso como um menino mimado. Aquela pessoa que não admite ser contrariada –e perde as estribeiras ao enfrentar dificuldades. É o dono da bola que diante de qualquer percalço, encerra o jogo e leva a bola pra casa. É inseguro – e por isso agressivo, exaltado. Imagino que se considera dono do mundo e melhor que os outros.

Suplicy, ao contrário, leva-nos a pensar que ele é também o dono da bola. Afinal nasceu, igualmente, em berço de ouro e não deve ter enfrentado as dificuldades tão comuns na vida da maioria dos brasileiros. Mas Suplicy parece não ter sido mimado. E em toda a sua trajetória, jamais mostrou-se arrogante, prepotente ou truculento. A impressão que ele provoca é de ingenuidade, transparência, humildade e dignidade.

E já que estamos falando de conflitos, de ying e yang, de transparência e opacidade, de arrogância e simplicidade, convoco Darcy Ribeiro--essa criatura apaixonada pelo Brasil e pelos brasileiros-- que em artigo sobre Tiradentes diz o seguinte: “no então chamado Largo Lampadosa, hoje Praça Tiradentes, onde ele foi enforcado e esquartejado, o herói que se cultua é o neto da Maria Louca, que ordenou sua condenação, morte e degradação: D. Pedro I. Não seria crível tamanha desfaçatez, se lá não estivesse a maior escultura eqüestre do Brasil, tripudiando sobre a memória de Tiradentes, exatamente no local onde foi enforcado.”

terça-feira, 7 de julho de 2009

AS INDECÊNCIAS QUE O CAPETALISMO PROMOVE SOB O DISFARCE DE DEMOCRACIA


Desde muito cedo, já na adolescência, as injustiças sociais provocavam minha revolta. Nunca consegui admitir a razão dos privilégios e a razão da miséria. Em épocas mais remotas até o mais ilustre dos impérios, o de Roma, foi construído nas pilhagens de mão de obra e de tesouros. Nenhum dos impérios antigos conseguiu transformar as técnicas de produção ou aumentar a produtividade. Ainda assim, todos eles fizeram progressos de ordem militar, administrativa, jurídica e artística. É por essa e outras razões que jamais consegui entender –ou admitir – o transplante de valores herdados da monarquia. Se antes o negócio era ter sangue azul, hoje, apesar da revolução francesa e o estabelecimento de um novo código de valores, não há igualdade, fraternidade --e muito menos liberdade.Em que pese todos os disfarces e ardis da chamada democracia burguesa, ainda é a classe dominante que dita todas as regras. E é ela que nos injeta o vírus da liberdade,essa idéia abstrata que ainda possui o poder e o fascínio de nos encantar. Mas vale descer dessa montanha mágica e fazer a pergunta correta: liberdade para quem?Claro que podemos votar, possuímos o direito de ir e vir e de manifestar livremente nossas opiniões. Mas será que esses jargões tem alguma conexão com a realidade concreta? Ou serão apenas palavras mortas utilizadas, permanentemente, apenas para nos tornar um bando de cordeirinhos equivocados? Não há dúvida que o fosso criado entre o castelo do senhor e a plebe ignara ainda encontra-se vivo – e foi progressivamente ampliado. Em Roma, havia o circo. Na corte francesa, os biscoitos. E atualmente são outras as migalhas que alimentam o nosso imaginário. A sociedade atual assegura, com sua letra morta, uma infinidade de direitos: direito ao trabalho, direito à educação, direito à saúde, direito à propriedade, enfim, direito a uma vida digna. Mas isso, via de regra, não sai do papel. Na vida real, são muito poucas as pessoas contempladas com essas garantias constitucionais. Algo muito semelhante ao que acontecia debaixo do período monárquico.Aliás, para deixar de lado todas essas interpretações, vamos aos números que não podem ser manipulados e não deixam espaço para mentiras. A concentração de renda, por exemplo, continua a crescer: 1% da população detém 40% da riqueza total. E o quadro que escandalizou o mundo na década de 90 * não mudou em nada:.as três pessoas mais ricas do planeta continuam tendo riqueza superior ao produto bruto dos 48 países mais pobres, onde vivem cerca de 600 milhões de pessoas. E pouco mais de 250 pessoas, os verdadeiros bilionários, -----com ativos maiores de 1 bilhão de dólares-- possuem mais riqueza que os 40% da humanidade abaixo da linha da pobreza, perto de 2,5 bilhão de pessoas. E, para finalizar, mais esta pérola da justiça social engendrada pelo capetalismo: os países mais ricos concentram 80% da riqueza do mundo, mas sua população representa apenas 20% da população mundial. Que tal? VIVA A LIBERDADE! VIVA A IGUALDADE! VIVA A FRATERNIDADE!*PNUD,Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

POESIA FACILITA COMUNHÃO MAS DIFICULTA COMUNICAÇÃO


Wittingenstein dizia que os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo.E eu concordo com ele desde que li, há muito tempo , essa frase lapidar. Mas para que esse insight fique ainda mais claro e mediterrâneo, basta agregar a ele a noção reveladora(via Rubem Alves) de que nós somos uma encarnação de palavras e que a nossa personalidade nada mais é do que um hábito ou um habitat de linguagens. É nessa direção, aliás, que podemos entender tudo aquilo que é quase ininteligível pra gente. E aqui é fundamental reaplicar a noção de Chomsky sobre a natureza essencialmente criadora da linguagem. Ou seja: se considerarmos a mente como uma caixa-preta, perceberemos um desnível entre aquilo que entra(o número de símbolos) e aquilo que sai dela (o número infindável de frases construídas com esses símbolos). Isto quer dizer, concretamente, que a todo momento nós estamos criando, ouvindo e entendendo frases que nunca proferimos ou ouvimos antes e que no entanto não temos dificuldades em compreender. Mais ainda: é possível entrever que, através da linguagem, o ser humano mostra que é capaz de ir sempre além de suas experiências anteriores. É esse sentido de incompletude e de flexibilização criativa que possibilita uma série numerosa de traduções e interpretações da realidade, do mundo e dos outros. É também através desse viés, fortemente estimulado e limitado pela linguagem e pela palavra, que podemos efetuar imaginativamente a experiência do outro. Mas é claro que aqui --como em qualquer outra tradução ou transcriação--só podemos dimensionar a experiência do outro dentro das articulações específicas da nossa linguagem. Decorre daí uma série de interpretações equivocadas e de mal entendidos, pois ao mesmo tempo que estamos habilitados a assimilar o novo, estamos também habituados a decodificar o novo através do velho. O que nunca deixará de ser uma operação reducionista submetida ao caráter arbitrário da linguagem--e ao nosso próprio arbítrio.Daí o fato corriqueiro-- inumeráveis vezes vivenciado por mim e por qualquer vivente-- de não ser entendido, compreendido ou aceito. Quantas vezes e quantas pessoas já confessaram ter ficado boiando diante da minha fala...E por que? É óbvio que para algumas pessoas esse fato só tem uma causa: copos a mais. Reconheço, hoje, que isso pode até ser correto. Mas essa não pode e nem deve ser uma conclusão definitiva e derradeira. Até porque sinto quase sempre em meu discurso--mesmo em plana e plena sobriedade-- algo que está fora do eixo ou está fora do estoque de expressões usuais. Pode até ser um vício, uma precariedade ou defeito nodal em meu processo de comunicação. O fato concreto é que não consigo deixar de me embrenhar num armazem de palavras pouco comuns, num cipoal de símbolos pouco compreensíveis, num matagal de imagens que só cabem e só tem cabimento na escrita de um verso. Mais ainda: tenho o mau costume de desautorizar o encadeamento lógico em favor do desentramento mágico. Sempre preferi a revelação do que a repetição. E acho que todas as confusões já acontecidas--nem todas, é claro-- deram-se muito mais por esse canal de difícil trânsito do que por alterações comportamentais via ingestão etílica.

HOMENAGEM AO TEATRO LIBERTÁRIO DE AUGUSTO BOAL


HOMENAGEM AO TEATRO LIBERTÁRIO DE AUGUSTO BOAL
Numa das últimas entrevistas que deu - à Carta Capital -, Augusto Boal defendia que, "hoje, todas as formas de expressão e comunicação estão nas mãos dos opressores". Na sua opinião, "o que a televisão oferece é um crime estético". Afirmava: "E ainda acham estranho que alguém saia matando quinze pessoas de uma só vez. O cérebro das pessoas está impregnado dessas imagens. As rádios também repetem o mesmo som o tempo todo. Sem falar no tecno, que desregula até marca-passo, e é pior que ouvir gente quebrando tijolo em construção. O que a gente quer, no Teatro do Oprimido, é lutar nestes três campos: palavra, imagem e som." A obra de Boal está traduzida em mais de 20 línguas e o The Guardian considerou-o tão importante como Brecht. Nomeado Embaixador da UNESCO para o teatro e indicado em 2008 para o Prêmio Nobel da Paz, Boal tinha leucemia e morreu de insuficiência respiratória dia 2 de maio, no Hospital Samaritano, Rio de Janeiro.Segundo o presidente Lula, Augusto Boal deixa uma marca que jamais será esquecida. “Era o exemplo de um companheiro que dedicou a sua vida à transformação social por meio da arte". “Esta é a essência do teatro: o ser humano que se auto-observa. O teatro nasce quando o ser humano descobre que pode observar-se a si mesmo: ver-se em ação. Ao ver-se, percebe o que é, descobre o que não é, e imagina o que pode vir a ser. Percebe onde está, descobre onde não está e imagina onde pode ir. Cria-se uma tríade: EU observador, EU em situação, e o Não-EU, isto é, o OUTRO”. E continua: “O teatro é uma ferramenta extraordinária para transformar o monólogo em diálogo”. Missão do Verdadeiro Ator. Agradeço a Deus-em-mim permitir-me ouvir voz do meu coração e ter feito um dia a inscrição em um curso de Iniciação Teatral. Todas essas experiências me ensinaram a utilizar minha “memória emotiva” (Stanislavski) de modo técnico, sabendo respeitar o necessário “distanciamento” (Brecht) entre ator e personagem a fim de me tornar um “agente transformador de mim mesmo” (Boal) e até mesmo do ambiente onde estiver inserido. Infelizmente, em nosso país, a notícia de seu falecimento não teve grande repercussão.Em maio de 2006 coloquei o texto abaixo em meu blogue:31/05/2006 15h54Reli, dias atrás, uma revista que traz a única entrevista concedida pelo Guimarães Rosa ao seu tradutor e amigo Gunther Lorenz --nomeado por ele como “vaqueiro das Gerais na Alemanha”. Além dessa preciosidade, a revista, inteiramente dedicada a uma retrospectiva dos anos 60, publica raridades como um depoimento do Augusto Boal, mentor e dirigente do Teatro de Arena. E é aí que a coisa pega.Seu discurso, absolutamente politizado, vai situando as vertentes do teatro daquela época e, sem eufemismos e papas na língua, passa a cobrar a participação de todos na empreitada de um teatro mais revolucionário e participante. E denuncia, com ferocidade, o SNT, o INC, a Censura, os critérios de subvenção e proibição e acusa de reacionários todos os artistas de teatro, cinema ou TV que se esquecem de que a principal tarefa de todo cidadão, através da arte ou de qualquer outra ferramenta, é a de libertar o Brasil e derrotar o invasor.E coloca frases lapidares como essas: o dinheiro, este sim, é o verdadeiro demiurgo do gosto artístico posto em prática; é necessário fazer com que o teatro frequente os circos, as praças públicas, os estádios e os descampados em cima de caminhões; não é possível agredir o predicado e não o sujeito.É claro que depois de reviver essa manifestação verbal de consciência, de consequência e de responsabilidade do artista enquanto cidadão, fica difícil dizer qualquer coisa. Até porque esse tipo de consciência --indispensável para a transformação orgânica da sociedade-- e que estava tão disseminada naquela época, hoje não passa de utopia jurássica para velhos e remanescentes dinossauros. E eu ainda sou --graças a Deus-- um velho dinossauro muito mais vinculado a uma ordem e a uma organização inexistentes do que a essa globalização excludente e discriminatória. Mais ainda: como sempre fui avesso aos modismos, nunca estive na ordem-do-dia. Sou o anti up-to-date. Eu já nasci ultrapassado.DEPOIMENTO DE QUEM ESTEVE COM O BOAL NO PRESÍDIO TIRADENTESNuma quinta-feira de 1971 o carcereiro com aquelas chaves de motorneiro abria a porta de ferro da Cela 3 do Presídio Tiradentes para "depositar" mais um preso político que fazia a Ditadura tremer de ódio. Desta vez entrava na nossa cela, Augusto Boal. Camisa xadrez, cabelo esvoaçante, simples e simpático. Foi logo recebendo as boas vindas dos companheiros e a injeção de moral alta. Eram sete beliches. Cedi a minha cama e subi para o beliche de cima para ele não ter que escalar aquela escadinha estreita. Demos tempo para ele descançar e chamamos para o jantar em volta da nossa mesa redonda. Construçãodo companheiro Flávio. Ali fazíamos as nossas refeições,todos juntos. Ali era, também o lugar onde todos se reunião para a leitura resumida dos jornais, as palestras do companheiros da nossa cela ou de outras, inclusive para as críticas e auto-críticas necessárias. Eram sete celas no Pavilhão um do Presídio Tiradentes. Boal logo se enturmou ao coletivo e propós falar às sextas-feiras sobre o teatro, sobretudo do Opinião. Ganhou , no curto espaço que lá permaneceu, a simpatia de todos. Alípio Freire, Mosca, Flávio, Gorender, Silvio, Vicente, Buda e outros. Quando saiu deixou um monte de revista e livros para a biblioteca coletiva. Era o que todos faziam.Meses depois é entregue clandestinamente para os companheiros da cela o seu livro relatando aquela experiência fora e no convívio conosco. (com pseudônimo de cada um) parecia que era um esboço de uma futura peça.Vim vê-lo muitos anos depois, aqui em Ribeirão Preto-SP, numa encenação-ensaio do Teatro do Oprimido. Foi uma alegria inimaginável e com direito a autógrafo no "Cela 3". E depois um chopp gelado no Pingüim.A nossa homenagem ao companheiro Augusto Boal. Leitor e incentivador da Carta O Berro, até o fim.Agradecemos a sua luta e a tudo que nos deixou.Vanderley Caixe